08 junho 2008

Budismo - 2


A maior parte das religiões recomenda-nos fazer o bem em vista de uma recompensa de além-túmulo. Está aí um móbil egoísta e mercenário que não se encontra do mesmo modo no Budismo. É necessário praticar o bem, porque o bem é o fim supremo da Natureza. É conformando-se às exigências dessa lei que se adquire a única satisfação verdadeira, a mais bela que pode apreciar o ser desprendido dos entraves da forma e das atracções do desejo, causas contínuas de decepção e de sofrimento.

A compaixão do Budismo, sua caridade, estende-se a todos os seres. Segundo ele, todos são destinados ao Nirvana. E, por seres, devem entender-se os animais, os vegetais e mesmo os corpos inorgânicos. Todas as formas da vida se encadeiam, de acordo com a lei grandiosa da evolução e do transformismo. Em parte alguma do universo deixa de existir vida.

A morte não é senão uma ilusão, um dos agentes da vida que exige um renovamento contínuo e transformações incessantes. O inferno, para os iniciados na doutrina, não é outra coisa senão o remorso e a ausência do amor. O purgatório está em toda parte onde se encontra a forma e onde evoluciona a matéria. Está em nosso globo, ao mesmo tempo em que nas profundezas do firmamento estrelado.

O Buddha e seus discípulos praticavam o Diana, ou a contemplação, o êxtase. Durante esse estado, o Espírito destaca-se e comunica-se com as almas que deixaram a Terra.

O Budismo esotérico ou vulgar, repelido de todos os lados da Índia no século VI, após lutas sangrentas provocadas pelos brâmanes, sofreu vicissitudes diversas e numerosas transformações. Um dos seus ramos ou Igreja, a do Sul, em algumas das suas interpretações, parece inclinar-se para o ateísmo e materialismo. A do Tibete conservou-se deísta e espiritualista. O Budismo também se tornou a religião do império mais vasto do mundo: a China. Seus fiéis adeptos compõem, hoje, a terça parte da população do globo; mas, em todos os meios onde ele se espalhou, do Ural ao Japão, foram veladas e alteradas as tradições primitivas. Nele, como em qualquer outra doutrina, as formas materiais do culto abafaram as altas aspirações do pensamento. Os ritos, as cerimónias supersticiosas, as fórmulas vãs, as oferendas, as preces sonoras, substituíram o ensino moral e a prática das virtudes. Entretanto, os principais ensinamentos do Buddha foram conservados nos Sutras. Sábios, herdeiros da ciência e dos poderes dos antigos ascetas, possuem também, dizem, a doutrina secreta na sua integridade. Esses estabeleceram suas moradas longe das multidões humanas, sobre os planaltos das montanhas, de onde os campos da Índia apenas se divisam vagos e longínquos como num sonho. É na atmosfera pura e calma das solidões que habitam os Mãhãtmas. Possuindo segredos que lhes permitem desafiar a dor e a morte, passam os dias na meditação, esperando a hora problemática em que o estado moral da Humanidade torne possível a divulgação dos seus poderes extraordinários. Como, porém, nenhum facto bastante autêntico tem vindo até hoje confirmar essas citações, ainda fica por provar a existência dos Mãhãtmas.

Grandes esforços foram empregados para espalhar a doutrina búdica no Ocidente. A raça latina, porém, ávida de movimento, de luz e liberdade, parece pouco disposta a assimilar-se a essa religião de renúncia, de que os povos orientais fizeram uma doutrina de aniquilamento voluntário e de prostração intelectual. O Budismo, na Europa, apenas tem permanecido no domínio de alguns homens de letras, que honram o esoterismo tibetano. Este, em certos pontos, abre ao Espírito humano perspectivas estranhas. A teoria dos dias e das noites de BrahmaManvantara e Pralaya –, que é uma renovação das antigas religiões da Índia, parece que está em muita contradição com a ideia do Nirvana. De qualquer modo, esses períodos imensos de difusão e concentração, durante os quais a grande causa primordial absorve todos os seres, permanece só, imóvel, adormecida sobre os mundos dissolvidos, atraem o pensamento numa espécie de vertigem. A teoria dos sete princípios constitutivos do homem e dos sete planetas, sobre os quais corre a roda da vida num movimento ascensional, também constitui pontos originais e sujeitos a exame.

Uma coisa domina este ensino: é a lei de caridade proclamada pelo Buddha – um dos mais poderosos apelos ao bem que tem ecoado neste mundo –; mas, segundo a expressão de Léon de Rosny, “essa lei calma e pura, porque nada traz em seu apoio, ficou ininteligível para a maioria dos homens, visto lhes revoltar os apetites e não prometer a espécie de salário que querem ganhar”.

O Budismo, apesar das suas manchas e sombras, nem por isso deixa de ser uma das maiores concepções religiosas das que têm aparecido neste mundo, uma doutrina toda de amor e igualdade, uma reacção poderosa contra a distinção de castas que foi estabelecida pelos brâmanes, doutrina que, em certos pontos, oferece analogias importantes com o Evangelho de Jesus de Nazaré.


(Léon Denis - Depois da Morte)

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